quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Outro Problema de Expressão

E aquele que eu pensei que seria mais um post mordaz, à imagem deste blog, acabou por se tornar num desafogo íntimo e pessoal. Até porque neste mesmo post eu também sou vítima e não queria ser hipócrita. Mas vá lá, o que seria da vida sem pequenas surpresas?
Quando dei por mim, já não havia volta a dar. Poderia ter criado um blog novo com uma denotação diferente e mais apropriada para o efeito ou jogar fora tudo o que tinha escrito até então. Mas não, nenhum deles. O que já estava, cá ficou. O que veio depois, eu tratei de encaminhar para outro tom, aquele tom mais familiar, onde eu me sinto a jogar em casa e de consciência tranquila, aliás, até é mesmo disso que se trata: intranquilidades.



«Porque é que as pessoas compram postais? Não é porque não queiram dizer aquilo que sentem. As pessoas compram postais porque não conseguem dizer aquilo que sentem ou têm medo de dizê-lo», Tom em 500 Days of Summer.

Quando eu vi o filme pela primeira vez e cheguei a esta cena dei por mim a pensar - Nonsense! Eu sou capaz de me exprimir - e após uma série de flashbacks - F***-se! Eu também?! - enfim, é triste, mas é verdade. Não é que eu seja o maior fã de postais, mas é recorrente sentir-me impotente quando me quero exprimir, para minha própria decepção.

Desde crianças que nos obrigam a ser racionais. «Pensem antes de falar», dizia a professora da primária. Pode ser uma instrução sensata, mas é aqui que morre o livre e espontâneo. Ou porque uma vez alguém disse um disparate e a turma desatou à risada fazendo assim com que o medo de ser alvo de chacota nos deixe a mente encurralada. Por outras palavras, fizeram de nós reféns dos juízos de valor. Eu próprio sou um refém, ou melhor, estou mais perto do domesticado até. Quantas e quantas vezes já tive este diálogo, - Porra, ela é tão gira! - disse o meu subconsciente - Mas não será constrangedor se disseres? O que ela irá pensar de ti? Como é que ela irá reagir? Será que ela pensa o mesmo de ti? - retorquiu o meu consciente. E neste ponto eu fico convencido e dou-me por vencido - Pronto, tens razão, eu permanecerei calado.
E isto remete-me para outro assunto. É que estamos igualmente restringidos quando se trata de falar de nós próprios. Falar de quem realmente somos. Pousar a armadura. Escancarar a nossa alma. É bem mais difícil. Eu sei. O medo de que alguém detecte os nossos pontos fracos e nos torne num alvo fácil de espezinhar é aterrador.
Aqui também se trata da procura de uma zona de conforto, como aquela que um postal nos oferece, «se não fui que escrevi, estou imune a qualquer eventual julgamento». É sempre bem mais confortável utilizar outras palavras que não as nossas. Como em certos casos que eu tenho reparado ultimamente nas redes sociais. A maior parte das pessoas quando têm de falar sobre elas próprias limitam-se a escarrapachar uma citação que soa bem ao ouvido de todos e que provavelmente nunca pararam para reflectir sobre o que lá está ou o horóscopo que encontraram na página do Cupido ou então o significado e a personalidade associada ao seu nome de baptismo que encontraram num site piroso qualquer, algo que ainda consegue ser mais fraudulento que o horóscopo.

(Agora, divagando um pouco)

O que eu penso sobre tudo isto?
Bem, fazendo uma espécie de análise psicossocial a estes indivíduos, fracamente fundamentada, creio que os que recorrem às citações normalmente procuram aquela frase filosófica, aquela inteiramente clichê, e que deve ser capaz de fazê-los acreditar: «porra, sou mesmo intelectual». Aqueles que chapam o horóscopo, aquela coisa que consegue ser tão acurada quanto vaga, devem pensar assim: «ai, isto é tão eu!». Depois disso fica a sensação de serem compreendidos por alguma força universal e isso deve deixá-los tranquilos consigo próprios, apesar de outros 100 milhões de pessoas se reverem naquela mesma descrição. Sobre o pessoal dos nomes? Ó pá! Esses são os mais complicados de se compreender, eu até tive de ir ver com os meus próprios olhos o meu para perceber a cena toda. Ora vejam:

Hélder: Significa luminoso, límpido e indica um homem muito sóbrio, que sempre conquista as pessoas com as quais se envolve. Elas nunca se cansam de louvar sua coragem, sua perspicácia e a força do seu caráter.

O significado vem da etimologia e eu não posso contestar, até fiquei feliz por descobrir qual. O resto é uma lenga-lenga semelhante àquelas que inventam para o horóscopo. Agora, tentando perceber em que medida é que isto se aplica à minha pessoa. Ora, de sóbrio tenho muito pouco, como vocês já devem ter reparado. E.. ei, esperem lá. Será que nós Hélders somos todos iguais? Até mesmo aqueles Hélders que me vêm bater à porta com bíblias na mão? É que eles a mim nunca me conquistaram e creio também que nem eu a eles. Elas? Até agora só me bateram à porta Hélders machos. Agora, a louvarem, acho que não seria pela coragem. Se os homens se medissem pela coragem eu era um verdadeiro menino. O resto eu vou-me abster de comentar, ainda me resta algum orgulho lol. E agora pergunto - e se os meus pais me tivessem baptizado com outro nome, eu seria uma pessoa diferente? Tipo, por exemplo, se me tivessem baptizado de Gervásio, seria eu muito cabeludo e capaz de aprender a utilizar o ecoponto em exactamente 1 hora e 20 minutos? Hm... é uma questão curiosa. O que me leva a pensar no seguinte: e deixarem-se de fachadas? Não?

(retomando...)

É que além do receio associado, e independentemente da pessoa ser "fechada", existe também uma tremenda falta de capacidade de expressão (ou atitude, nem sei) e lamento que assim seja porque quanto mais pessoas se esconderem, mais difícil será para as outras pessoas se mostrarem. É preciso alguém que dê o primeiro passo, senão isto torna-se num jogo de "escondidas" interminável. Acredito que há quem tente e consegue, porque estão a "jogar" do mesmo lado, mas eu vejo a situação da seguinte forma: os escondidos não se movem e os que procuram são apedrejados à distância para que não se aproximem.
Em tudo o que é progresso ou inovação, é possível determinar o status da sua adopção com uma curva de distribuição normal dividida da seguinte forma: uma minoria inicial, os pioneiros (first movers), mais tarde surgem os primeiros adeptos (first followers), depois uma maioria inicial, a maioria tardia e por fim os retardatários (os renitentes e mais cépticos). E neste momento, a respeito da livre expressão e decisão, creio que ainda estamos a começar a fase dos first followers. Na Madeira, em particular, onde o politicamente correcto é a palavra de ordem, não há dúvida que a população evoluiu a nível social. A própria conjuntura foi favorável (maior aceitação do fenómeno, maior oferta de eventos, o hábito do café, etc.). Ao passo que no seu interior, falando a nível espiritual e cultural, a população permaneceu igual. Com tanta socialização, de que tanto falam?

Enfim, isto deu uma volta muito grande e acabei de me aperceber que não sou Rei na fluência escrita. Vou ter de trabalhar nisso. Mas que se lixe. Apeteceu-me escrever e eu escrevi. Tudo isto com a intuito de apelar aos egos camuflados, sejam eles honestamente frágeis ou não, a darem o primeiro passo e a darem tréguas àqueles que estão dispostos a tolerar os seus defeitos.